Processos de estampagem convencionais são aqueles que realizam a conformação da chapa metálica utilizando um ferramental inserido em uma prensa, para produção em massa, entre eles a fabricação de carrocerias de automóveis, linha branca e produtos em geral (como carcaças de computadores, utensílios domésticos, etc.).

A estampagem incremental (EI) é utilizada basicamente para produção de pequenos lotes de peças, prototipagem rápida e processos que requerem grande flexibilidade, com custo operacional reduzido. A diminuição de custo refere-se à não necessidade de fabricação de uma matriz metálica de custo elevado, ou seja, pode-se ter uma matriz com materiais de custo reduzido e esta pode, ainda, ser aplicada de forma parcial ao processo.

 A EI é feita por meio da aplicação pontual de carga sobre a chapa metálica, realizando deformações incrementais, de intensidade superior à obtida em processos convencionais(1-4). A simulação computacional é uma das ferramentas que a engenharia pode utilizar para prever falhas, verificar a geometria final da peça manufaturada, bem como tensões.

 Assim, este trabalho avaliou um software comercial para validação do processo de estampagem incremental, por meio do caminho de deformações na geometria final da peça.

Revisão da literatura

O processo de estampagem incremental consiste na aplicação de uma força com um punção na chapa metálica, levando a deformações pontuais. A somatória das deformações pontuais determina a geometria final da peça.Os tipos de processo incrementais aplicados em chapas metálicas podem ser classificados pelo sentido e movimento do sistema de estampagem, a saber: chapa, punção e matriz.

Repuxamento (pushing)

Nesse processo, a chapa metálica é fixada em um eixo, o qual proporciona o movimento angular da chapa, e o punção aplica forças pontuais incrementalmente, conforme visto na figura 1. Ele é indicado para peças redondas e em determinadas situações podem ser feitas mudanças na temperatura para aumentar a estabilidade do material.

Fig. 1 – Repuxamento. Fonte: Kopac e Kampus

Um exemplo de equipamento usado nesse processo é o torno mecânico, no qual a chapa é fixada para poder girar sobre seu próprio eixo. Outras bibliografias(6) enfatizam a utilização do processo de repuxo, de grande aplicação em indústrias de pequeno porte, como, por exemplo, algumas da região metropolitana de Salvador (BA)(7).

 Processo de estampagem incremental

No processo de estampagem incremental uma chapa metálica com geometria variada é fixada em um prensa-chapas e a estampagem é realizada pelo movimento contínuo de um punção com geometria circular na ponta. A ferramenta percorre, ao longo de uma sequência, as linhas de contorno, com deslocamento na horizontal e na vertical. 

O movimento descrito pela ferramenta pode ser variável, tanto na forma helicoidal contínua como em ciclos, alterando a geometria gradativamente.

O equipamento utilizado na realização do procedimento pode definir qual será o tipo de processo a ser adotado. Entre os equipamentos estão máquinas específicas de estampagem incremental, centros de usinagem e/ou robôs. A figura 2 mostra cada um deles.

Fig. 2 – Utilização de equipamentos no processo incremental (a. Centro de usinagem(8); b. Específico para o processo(9); c. Robô(10)

A utilização de centros de usinagem na estampagem incremental é a prática mais antiga, pois facilita a programação do movimento da ferramenta quando comparado a outros equipamentos(11, 12). Máquinas especí cas para o processo de estampagem incremental, como a Amino DLNC-RB do Institut für Bildsame Formgebung (Rheinsch-Westfälische Technische Hochschule, de Aachen, na Alemanha), diferenciam-se dos centros de usinagem por terem as bases próprias para fixação das chapas na realização dos processos. 

No entanto, a utilização de robôs ocorreu devido à flexibilidade de movimentos que eles proporcionam, mesmo sendo de programação mais difícil.

Esse processo pode ser classificado em “ponto simples de estampagem” (single point forming, SPF) e “dois pontos de estampagem” (two point forming, TPF), sendo que este último tem suporte total ou parcial. Pode-se, ainda, determinar os tipos de processos que serão aplicados, como negativo ou positivo. A aplicação da força no tipo negativo será feita internamente à cavidade a ser formada, já no tipo positivo a força é aplicada na parte externa da cavidade. Esses tipos de subprocessos são observados na figura 3.

Fig. 3 – a) Processo negativo; b) Processo positivo(15)

O tipo positivo ocorre sempre no processo TPF, que necessita de uma base (matriz) que deverá ser situada internamente na peça, uma vez que a força do punção é aplicada na parte “convexa” da peça, perfazendo as linhas de contorno. Entretanto, o tipo negativo pode ser aplicado para ambos os processos, dependendo das características do projeto.

A classificação dos processos em SPF e TPF se deve à presença, ou não, de uma matriz/base inferior à peça, a qual é fixa e faz um esforço no sentido contrário ao do punção. O processo de TPF pode ainda ser divido em completo ou parcial, sendo definido pela abrangência da matriz sob a peça conformada. Pode-se observar na figura 4 (pág. 85) a ilustração sobre os três processos.

Fig. 4 – Processo de estampagem incremental. a) SPF(13); b) TPF parcial; e c) TPF completo(12)

Um ponto importante a ser considerado é a necessidade/capacidade da prensa de se movimentar. Como no caso do TPF, o prensachapas é obrigado a seguir o movimento do punção na direção do incremento, pois assim ocorrerão as deformações apenas na região de contato do punção.

Análise computacional

Para prever os resultados experimentais, vários fatores são analisados na simulação computacional e no desenvolvimento do processo, tais como fluxo de material, distribuição das deformações, melhoria da ferramenta e do blanque. 

Ao mesmo tempo, a simulação numérica pode fornecer apoio técnico para os engenheiros, com tempo de simulação inferior ao dos testes de tentativa e erro. Outros trabalhos(14-18)utilizaram a simulação no processo de estampagem computacional, visando às geometrias finais das peças, deformações alcançadas e ao efeito springback dos blanques.

Ambrogio et al.(1, 9) trabalharam com a comparação de resultados experimentais e simulações para a liga de alumínio AA 1050-0 de 1 mm de espessura. Os resultados encontrados entre os ensaios experimentais e simulados tiveram grande similaridade, confirmando o potencial dos FEM para projetos de ferramentas

Aplicações

As chapas metálicas têm grande aplicação industrial, sendo usadas na manufatura de diversos produtos, desde peças para a indústria automotiva, onde a sua presença é notória, à produção de recipientes e embalagens destinados ao consumidor final.

A técnica de estampagem incremental é recomendada para diferentes setores da indústria e poderá ser potencialmente usada em áreas como a médica e de produção de pequenas peças, com alta complexidade.

 Entre as aplicações estão a fabricação de dispositivos médicos, já que permite a obtenção de próteses com características exclusivas de cada paciente; a produção de pequenos objetos decorativos e com formas arquitetônicas; a prototipagem rápida, nas etapas de desenvolvimento e concepção de novos produtos, quando não é suficiente a simulação computacional e a manufatura de um protótipo auxilia a análise funcional e de forma do produto; manufatura e reparo de componentes automobilísticos; caixas para máquinas e objetos elétricos.

A figura 5 (pág. 86) mostra uma aplicação interessante da estampagem incremental. No Japão, foi desenvolvido um protótipo da seção frontal de um trem bala que demonstra que a técnica também pode ser usada para protótipos de grande porte(20)

Fig. 5 – Um modelo da seção frontal de um trem bala, feito por Amino, no Japão(20)

Além das aplicações apresentadas, existe uma mais recente e que merece destaque por auxiliar a obtenção de uma fonte energética renovável: a confecção de coletores solares. Segundo o LdTM/UFRGS(21), o coletor solar se baseia no uso de energia solar para aquecimento de água e piscinas com coletores planos de estrutura relativamente simples.

Cada dispositivo possui um absorvedor, que transforma a radiação solar em calor. Nele são usados também sistemas como caixas-d’água posicionadas em cima, evitando, assim, o uso de recursos de bombeamento. Esse sistema pode ser visto na figura 6 (pág. 86).

Fig. 6 – Estrutura de um sistema de aquecimento solar com coletores planos e reservatório térmico – sem adição de energia elétrica(21)

 

Para Arruda(22), utilizando-se a estampagem incremental na confecção dos coletores, pode-se conseguir economias de produção e melhora das resistências de transmissão de calor, otimizando a vazão do sistema de tubos e simplificando a produção, uma vez que o processo dispensa juntas soldadas ou dobradas.

Análise experimental

Foi realizada a simulação numérica com o solver LS-Dyna, utilizando a plataforma LS-Prepost para a elaboração do pré-processo. Os parâmetros da simulação utilizados foram os mesmos do experimento prático, vistos na tabela 1 (pág. 87).

Na figura 7 (pág. 87), pode-se observar a montagem dos componentes no software, no qual o elemento azul é o punção, o amarelo, o prensa chapas, o verde, a matriz e vermelho, a chapa.

Fig. 7 – Elaboração do processo incremental no software

A validação experimental da simulação numérica foi realizada utilizando o Centro de Usinagem do Cimatec – Senai. O método aplicado foi o processo negativo com suporte inferior. O material tem espessura de 0,4 mm e foi estampado em forma de cone com diâmetro maior que 150 mm e ângulo de incremento na direção “Z” de 30°, 45° e 60°, finalizado com um topo hemisférico truncado.

Na figura 8 (pág. 87), pode-se observar os componentes utilizados para a realização dos experimentos e, na figura 9 (pág. 88), um exemplo da peça formada.

 

Fig. 8 – Componentes utilizados para realização da estampagem incremental

Fig. 9 – Peça conformada

Resultados e discussões

As características avaliadas no processo de simulação foram o caminho de deformações das três deformações principais, j1 (deformação radial), j2 (deformação tangencial) e j3 (deformação da espessura). Na figura 10 (pág. 88), pode-se observar a peça final simulada com a deformação principal radial alcançada (j1) e, na figura 11 (pág. 88), o caminho de deformações simulado em relação às dimensões da peça;

Fig. 10 – Deformação principal radial alcançada pela chapa na simulação

Fig. 11 – Caminho de deformação simulado ao longo da peça

A figura 12 (pág. 88) mostra o caminho das três deformações principais da simulação comparadas às deformações reais alcançadas e, na figura 13 (pág. 89), observam-se as deformações do material real comparadas com a curva-limite de conformação do material elaborada pelo método Keller.

Fig. 12 – Comparação entre os caminhos de deformação

Fig. 13 – Distribuição das deformações experimentais comparadas com a CLC do material

Conclusão

O processo de estampagem incremental começa a ganhar espaço dentro das empresas e leva a cada vez mais de estudos na área. Por meio dessas pesquisas, percebe-se que as deformações impostas no processo de estampagem incremental são superiores aos limites presentes nos métodos convencionais.

O processo de estampagem incremental possui a característica de trabalhar basicamente com deformações planas no material, conforme mostram as figuras 11 e 12, as quais apresentam valores próximos de zero para a deformação tangencial (j2).

O uso da simulação numérica no processo de estampagem incremental apresentou valores menores na análise dos caminhos das deformações principais ao longo da peça, mesmo esses sendo superiores à curva-limite de conformação convencional do material.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Senai Cimatec e ao LdTM-UFRGS (Laboratório de Transformação Mecânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) pelo apoio oferecido durante a realização dos estudos.

Referências

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